20 maio 2010

O "COMUNICADOR"

No último domingo a Internazionale se sagrou campeã italiana (quinto scudetto consecutivo) e se vencer a Liga dos Campeões no próximo sábado, em Madri, contra o Bayern, José Mourinho deixa o futebol italiano. Deve levar sua rabugice e soberba para a capital da Espanha. É o que eu penso como jornalista e amante de futebol e seria capaz de apostar, digamos, 12 decadentes euros nisso. Também acho que, caso o clube de Milão perca essa final, o português vai embora da mesma forma. Meu palpite se apóia numa única verdade: Mourinho odeia a Itália — e, às vezes, parece odiar tudo que se mova ou respire.

Mourinho — digo isso de forma respeitosa e estudada — é um quase perfeito idiota. Não por odiar a Itália, que isso cada um é livre de fazer, mas por pensar que o futebol é mais um daqueles setores da vida humana (o enésimo) em que para ascender é preciso pisar no outro, rebaixá-lo, demonizá-lo, ridicularizá-lo, sobrepujá-lo, que se não o fizer antes alguém o fará mais cedo ou mais tarde e agir em função dessa preocupação. Natural que seja o pensamento dominante, na medida em que o mundo (salvo exceções honrosas) é uma grande porcaria exatamente porque esse pensamento é dominante. Mas o futebol é um jogo, fatalmente haverá vencedores e vencidos e se Mourinho não fosse praticamente um problema moral ambulante confiaria na sua imensa capacidade e qualidade e nos pouparia de um veneno que é muito comum em vários campos da existência, mas que no futebol não é assim tão frequente.

Não me entendam errado: não me julgo o defensor da moralidade e não estou querendo fazer de Mourinho um crápula absoluto. Acho apenas que ele sintetiza uma idéia. Uma idéia errada, pouco nobre (para dizer o mínimo), por mais que seja — e é — um fantástico técnico de futebol. Essa idéia, penso, quando aplicada ao mundo do business, ou na selva tropical, pode ser que dê muitos bons resultados, mas quando colocada no miolo do futebol acaba por turbá-lo.

Na Itália, o português se deu ao luxo de fazer coisas que não se permitia na Inglaterra, e isso diz muito sobre ele próprio e sobre os dois países, com aspectos positivos e negativos. A visão que se tem de Mourinho aqui é bastante complexa, mas poderia ser resumida em três noções básicas, às vezes intercruzadas numa mesma pessoa. 1) A veneração cega que “camufla” um comportamento duvidoso sob um manto de “polêmica” (“Mourinho é um grande comunicador”, é a frase favorita dessa facção). Para algumas pessoas, o técnico da Inter é um acréscimo ao futebol italiano porque vence e “tempera”, e ponto final. 2) Uma admiração distanciada, considerando que para o futebol vale a regra da concorrência “vença ou fique para trás”. Mourinho é um mal necessário. 3) Reprovação moral. Para Sandro Mazzola, ícone do calcio, por exemplo, fica difícil reconhecer o valor do esporte no comportamento do português. A melhor coisa a fazer então é uma distinção claríssima entre a pessoa e o profissional.

Talvez seja ranço de um velho que jogou “nos tempos do upa!” — e que tende por isso a interpretar o futebol moderno através de uma tecla SAP —, mas Mazzola foi um dos poucos a afrontar Mourinho nesses dois anos em que o português vive na Itália. Um dia, criticou o técnico da Inter por uma escolha tática. E voltou a fazê-lo depois que Mourinho deu o ar da graça, sendo agressivo e arrogante. O português perguntou em tom provocatório: “Mazzola por acaso é meu chefe?”. O velho jogador, que agora é um competente comentarista da Rai, devolveu: “Sou acionista da Inter. Sou sim. Também”. Mourinho não nos forneceu uma resposta. Raro.

Tudo bem que vença, que seja um dos profissionais mais bem pagos do planeta — é competente, estudioso, tem qualidade e é fiel ao seu grupo e aos seus em geral. Mas Mourinho, como disse, sintetiza um sentimento ruim para o futebol e para se exibir por aí. No início achei que poderia ser pieguice minha, depois percebi que mais gente via a questão assim. Não poucos. Talvez a chave da explicação seja a que sugeriu Jaime Pacheco, que inclusive e ao menos merece alguma consideração por ter feito do Boavista campeão português em 2001. Acho que ele tem razão.

 Foto: AFP 

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