25 maio 2010

DIVIDE ET IMPERA

Os romanos já sacavam da coisa. Mais de um milênio depois, Maquiavel repetiu a noção com outras palavras e desde então se faz referência e reverência à sua sabedoria, bem como a quem se apóia nela. Muito justo, não fosse o fato de que, se tivéssemos aprendido algo e crescido como seres humanos, talvez não precisássemos adentrar os anos 2000 com a mesma filosofia.

De qualquer forma, aqui estão 10 preceitos básicos de como exercer um poder em nossos dias. Exercer aqui tem o sentido de manter um poder (ou vários concomitantemente), não necessariamente o poder. Me refiro em especial ao mais sofisticado poder de nosso tempo, que é o controle social, mas penso que tenha validade em vários outros campos. É caso de ideologia, mas na sua forma mais básica e menos visível possível, ao mesmo tempo em que essa ideologia colabora para fazer desse poder o mais ilimitado que se tenha conhecido até agora. Alguns dos 10 pontos são noções obtidas a partir da experiência pessoal, mas todos são (também e sobretudo) produtos da reflexão sobre a mentalidade contemporânea, observações da cultura e comportamento social de nossos dias e considerações de terceiros (imprensa, livros).

1.
Incentive e defenda os valores do individualismo, do egoísmo niilista e do hedonismo mais nefasto possível. Sublinhe a infelicidade das relações e a inclemência do mundo. Fomente a oposição e a negação em relação ao outro. Prometa sempre uma maior liberdade individual. Restrinja a liberdade individual através de complexos sistemas de alienação.

2.
Estimule a desconfiança e a difidência. Ressalte periodicamente a necessidade e utilidade desses sentimentos. Sugira e apóie a indiferença. Relativize problemas como a influência humana no equilíbrio ecológico.

3.
Desenvolva uma concorrência feroz e incondicional e justifique a desigualdade como sua consequência natural. Seja implacável com os fracos. Lembre Darwin. Cite apenas a minoria de sucesso.

4.
Desintelectualize tudo. Demonstre repetida e exaustivamente a futilidade de se adquirir conhecimento e a comodidade e conveniência da ignorância. Faça crer que qualquer forma de discernimento é prejudicial aos próprios interesses, desnecessária e que, em última instância, é perda de tempo. Enalteça a objetividade extrema, priorize as ciências exatas e promova uma desumanização do saber. Ridicularize a prudência, a solidariedade, a humildade e o interesse intelectual. Fique atento a novos talentos e arregimente-os, treine-os e enquadre-os — entretenha os demais.

5.
Mercantilize tudo, coisas e relações. Demonstre a inocuidade da corrupção moral. Promova o desvio ético mas defenda o sistema de comportamento. Ofereça novidades sob qualquer forma e estimule a necessidade delas. Faça venerar o mercado: incremente suas vantagens, esconda seus danos e o controle artificialmente. Enalteça o poder econômico e o dinheiro. Valorize a noção de serviço e satisfação pessoal.

6.
Estruture uma alienação quase total do poder, impedindo o exercício direto da vontade coletiva e individual. Crie instituições, entidades e personalidades jurídicas. Estabeleça hierarquias e burocracias. Constrinja à “fidelidade simbólica”, ou seja, o sentimento honroso e de gratidão em relação às instituições constituídas com o escopo de receber essa fidelidade. Desenvolva, amplifique, defenda e difunda o valor de “cumprimento do dever”. Incentive a identificação e o orgulho patriótico (regional, nacional ou em qualquer outro âmbito), bem como étnico, cultural ou de classe. Ofereça recompensas e premiações, incite à dedicação e ao sacrifício pessoal, mas monopolize a concessão de legitimidade. Crie símbolos que vinculem o grupo à entidade que deve concentrar a atenção. Apóie-se na tradição ou a ataque pormenorizadamente.

7.
Controle posições estratégicas da produção de bens simbólicos, dos sistemas mais complexos ao mais simples — a ideologia direcionada tende a se reproduzir autonomamente baseada na ignorância e na preguiça. Domine ambientes acadêmicos, profissionais de áreas importantes e meios de produção e sobretudo de comunicação. Manipule o conhecimento e a circulação de informação. Influencie decisões de alcance coletivo. (Impeça a aglomeração negativa: retire bancos das praças e dos campus universitários. Promova a aglomeração positiva: valorize bancos e praças de alimentação em shopping centers.)

8.
Desacredite posições antagônicas. Promova a desqualificação do interlocutor. Marginalize e ridicularize os opositores. Aplique penas e sanções severas e sistemáticas. Evite a propagação da oposição. Impeça o desenvolvimento de vias alternativas. Incentive idéias contraproducentes, mal-intencionadas e/ou deliberadamente errôneas e favoreça a difusão de equívocos sinceros.

9.
Confunda, disperse, despiste. Dificulte ao máximo o estabelecimento de conexões e relações. Desvie a atenção dos detalhes ou forje detalhes fictícios. Valorize a religião como sistema de valores coletivos e inalteráveis. Incremente substancialmente a importância de assuntos periféricos. Crie mitos e cenários artificiais. Invente inimigos. Difunda ruídos. Não mostre-se: permaneça anônimo e estabeleça bodes expiatórios.

10.
[Utilizando todos os preceitos acima mencionados] Identifique uma casta (ou grupo de castas), proteja-a e estimule o confronto entre todos os grupos da sociedade. Estabeleça rivalidades e ressentimentos. Ataque o sentido de coletividade e solidariedade mas fomente um sistema de colaboração ao interno da casta.

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