15 maio 2010

MAIS RÁPIDO, MAIS EFICIENTE

Todos os sábados é preciso se deslocar com cuidado entre as gôndolas. Uma visita ao templo do reabastecimento doméstico nesse dia exige a máxima atenção: de tão lotado, o perigo de golpear canelas ou abalroar pessoas e prateleiras é real e aterrorizador. Deve ser porque trata-se do maior supermercado dentro do perímetro central de Milão. Os preços são um detalhe: como sempre, é preciso ficar atento à misteriosa combinação de ofertas dos concorrentes. Então, da manhã mais tenra ao início da tarde dos sábados, religiosamente, centenas (milhares?, sim, milhares) de milaneses e imigrantes vários se acotovelam nos corredores e no grid dos caixas a fim de satisfazer sua existência plena de consumidores.

Normalmente, no contexto, as filas dos caixas são imensas, mas toleráveis. Naquilo que deveria ser o fim da aventura, os produtos ficam ali, se exibindo na esteira, catalogados mentalmente até chegar às mãos do funcionário que, ao som contínuo de bips, transforma tudo em cifras — e das quais, no fim do mês, receberá algumas migalhas pelo seu esforço de oito horas repetindo os mesmos três ou quatro movimentos.

Mas o sistema é sábio, mais sábio do que conceder migalhas (o Sistema, coitado, insiste em confundir falta de necessidade de qualificação com desqualificação). Na Itália não existe a figura prestativa do empacotador, normalmente exercida por um jovem bastante jovem, movido pela migalha que recebe todo fim de mês. Aqui não: o próprio cliente deve, da melhor maneira que for capaz, meter todas as suas aquisições do momento dentro das sacolas — no menor tempo possível, se faz a gentileza, porque, veja bem, a fila é longa. Evidentemente, conta com a ajuda do funcionário do caixa, solícito não se sabe se por paciência curta, orientação comercial ou educação. Nenhum problema, o consumidor já se adaptou à situação: é raro ver pessoas fazendo suas compras sozinhas — vêm em duplas, um paga enquanto o outro (ou ambos) agita (ou agitam) os braços, acomodando tudo nas sacolas (evidentemente pagas; a natureza agradece). Sistema perfeito, funciona até mesmo para os idosos, que fazem assim, talvez, o último exercício físico da fase final de suas vidas. O gado, quero dizer, o consumidor é participativo e hábil.

Mas é possível fazer o fluxo funcionar de forma ainda melhor. Por que não incentivar — pergunta-se o Sistema — uma maior participação do cliente (enquanto economizamos alguns trocados para o nosso lucro)? Além disso, sem a lerdeza de um atendente se economiza o tempo do consumidor, que pode aproveitar o seu sábado para um passeio com a família, uma refeição especial, uma pequena viagem ou um sonolento dia em frente à tv. Promissor. Surgem então os caixas automáticos, que vendem rapidez. Ninguém liga muito se as filas dobram de tamanho e o tempo triplica porque a maioria das pessoas não sabe usar o mecanismo — ou porque o mecanismo é, enfim, um mecanismo e por isso precisa da máxima colaboração humana para funcionar. Não parece ser uma questão de idade já que muitos jovens também se vêem enredados no complexo e sensível humor das máquinas: um momento de hesitação e toda a sabedoria do processo se bloca.

Eram 20, talvez mais, os caixas do grande supermercado. Todos humanos e falíveis. Agora os humanos foram reduzidos a cerca de 12 ou menos, substituídos por máquinas — eletrônicas e falíveis. Ironia é o fato de que, mesmo a figura do caixa humano desaparecendo, o ponto final das compras ainda é povoado por funcionários estressados: senhoras e jovens em jaleco laranja, tênis e olhar assustado, cuja função é correr de lá pra cá e de cá para lá “explicando” às pessoas como não magoar a máquina para que ela possa fazer o seu trabalho de forma mais rápida e eficiente que um ser humano. Também os jalecos laranja receberão suas migalhas no fim do mês. Já o Sistema... bem, o Sistema é o Sistema, e seria prova de estupidez tentar raciocinar algo externo ao sistema, que contém e detém tudo: as mercadorias, o tempo, o espaço, as almas, a riqueza. O Sistema é mais poderoso que nós, é onipresente e onipotente. É o Tudo. É Deus.

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