14 maio 2010

A RELAÇÃO ENTRE OS DETALHES

 A verdade é que não posso garantir que desta vez manterei um blog devidamente atualizado e repleto de “atrações”. Sobretudo porque não é que esteja exatamente numa fase profícua, positiva e mentalmente tranquila, daquelas em que mesmo se agarrando apenas a um rabisco de idéia se é capaz de produzir um texto minimamente interessante. Também influencia um certo pessimismo de que, como muitos gostam de propagandear (talvez refletindo o próprio temor), ninguém lerá o que for escrito e, se o fizer, o que foi escrito não fará nenhuma diferença (existem também aqueles que fazem questão de recordar que 99,97% das pessoas que escrevem coisas na internet não dispõem de uma “qualificação” para isso e, portanto, não significam nada). Pode ser que sim, pode ser que não. Fato é que tem sido cada vez mais difícil — e até metaforicamente doloroso — encontrar motivação para escrever e, inclusive, escrever. Mas escreverei, ora.

Talvez estejam certos os que menosprezam qualquer coisa que alguém tenha escrito ou dito, por exemplo, sobre economia (a crise, pacotes de ajuda, quebra disso, queda daquilo), senão escrito ou dito exclusivamente por um economista. Se têm razão (e, nesse caso, somente a aclamação do “público” pode conferir “razão” a quem tem essa opinião), ao menos para mim fica comprovada a dramaticidade de uma das maiores vitórias da modernidade: a crença de que o que qualquer pessoa “normal” tem a dizer não vale absolutamente nada se ela não for comprovadamente especializada — mesmo que diga algo coerente e interesante. No fim, acho eu, essa pretensa “especialização” é apenas um modo de afastar as pessoas da possibilidade de relacionar as coisas.

Normalmente jornalistas são feitos assim, carentes de pessoas com credenciais para as quais fazer alguma pergunta. Mas sou um apóstata nisso também e, por mais que eu seja da opinião de que o mundo transborda de imbecis, provavelmente como jamais a História humana testemunhou, não posso me sentir confortável com a lógica do “fale-somente-se-for-dar-alguma-informação-relevante”. Não que eu seja o maior fã de interações humanas, mas me parece que o problema está aqui: tudo deve ser objetivo ao extremo e nos desacostumamos a considerar um relato, uma descrição emotiva, uma história, um pensamento ou uma simples opinião como um potencial ninho de informações — subjetivas ou menos, que seja. Isso porque, é minha opinião, continuamos nos confundindo com a idéia de que exista a tal Verdade e que devemos correr nervosos atrás dela. E, afinal, o que é relevante?

Eu falo como jornalista sim, mas apenas enquanto alguém que não é médico, jurista, engenheiro ou qualquer outra coisa “específica”. Nem sequer me enquadro naquele cada vez mais numeroso grupo de pessoas que se retiram do exercício de pensar por si próprias. Falo mais como uma pessoa à margem — não exatamente da sociedade, que não cheguei a esse ponto ainda, mas de uma série de coisas que tentam padronizar nossa maneira de ver o mundo. E padronizar é impedir o exercício de fazer relações. Achar que existe uma única Verdade, imortal e inconfutável, por exemplo, é se render a uma simplificação. Obviamente eu acho que existe certo e errado, belo e feio, mas essa noção tem limite. O que escreverei aqui fica dentro deste limite. Será apenas a minha opinião — muitas vezes embasada, outras nem tanto — acrescida, dentro das minhas condições, de informação (que foi para isso que eu estudei).

Não consigo deixar de lado a convicção de que ninguém pode ter muita certeza sobre muita coisa (acho que a figura do velho sábio sobre a montanha já não tem sentido), o que não invalida uma visão embasada nessa aleatoriedade toda. Maria Montessori, pedagoga e filósofa italiana, dizia que entender os detalhes gera a confusão, mas entender a relação entre os detalhes gera sabedoria. O Apóstata, em síntese, é apenas isso: uma humilde manifestação de como vejo a aleatoriedade (a aparente e a de fato) guiar a maior parte da História, e (importantíssimo!) de como todo o resto é uma simples questão de informação — e sobretudo da falta dela —, que permite juntar os detalhes que, por natureza, são confusos e dispersos. Ter muitas certezas, penso eu e mais um monte de gente, é um luxo dos ignorantes.

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