26 maio 2010

CRESCIMENTO E DECRESCIMENTO

"Enfim, observando-se atentamente, a riqueza tem um caráter bem mais patológico que a pobreza. A riqueza extrema constitui o flagelo principal da sociedade moderna. Em vez de aumentá-la ainda mais sob a alegação de remediar a pobreza, seria preciso atacá-la como uma doença perigosa mascarada pelo imaginário instituído do crescimento. Jean Baptiste Say enunciou a lei de que a felicidade é proporcional ao volume do consumo. Trata-se da impostura economicista e modernista por excelência. Durkheim já denunciava esse pressuposto utilitarista da felicidade como soma de prazeres ligados ao consumo egoísta. Para ele, tal felicidade não está longe de levar à anomia e ao suicídio. Majid Rahnema observa com pertinência:

A miséria moral dos ricos e poderosos – assunto-tabu na literatura especializada sobre a pobreza – curiosamente chamou mais a atenção dos romancistas, poetas e, é claro, dos próprios pobres que a dos sociólogos e economistas que a consideram fora de discussão. O estudo profundo das verdadeiras causas da miséria poderia, no entanto, mostrar que ela está exatamente no centro – se não for o centro – do assunto. 

Ele continua:

A miséria moral dos abastados, “vestida” com seus mais belos ornamentos e, portanto, bem menos visível do exterior, é paradoxalmente mais perniciosa do que aquela que afeta os indigentes: à obsessão propriamente patológica do mais-ter, ao desejo incessante de acumular para si e de retirar dos outros pelo simples prazer de exercer sobre eles um poder acrescentam-se fatores externos, tais como os muitos critérios de êxito social, a impiedosa dinâmica da competição, a regra de ouro do lucro a qualquer preço ou a mercantilização de todas as relações humanas.

É a miséria psíquica e espiritual dos saciados que produz no outro extremo da cadeia a miséria material dos excluídos, pois, numa sociedade que pensa que a vida é um combate e a morte, um fracasso, o remédio para a depressão psíquica é a excitação cujo exemplo é fornecido pela especulação da bolsa de valores. Essa dupla miséria é exacerbada pela publicidade, que é um meio de deixá-lo descontente com o que temos para fazer com que desejemos aquilo que não temos."

Excerto de O DECRESCIMENTO COMO CONDIÇÃO DE UMA SOCIEDADE CONVIVIAL
de Serge Latouche, professor emérito da Université Paris-Sud 11

1 comentários:

Rafael Reinehr disse...

A leitura da passagem de Latouche me lembrou um bocadinho do Galeano, em "De pernas pro ar - A Escola do mundo ao avesso" (fiz um resumo comentado aqui: http://reinehr.org/literatura/nanoresenhas-canalhas/eduardo-galeano-de-pernas-pro-ar-a-escola-do-mundo-ao-avesso)

Um abraço, parabéns pelo blog e também pelo Herodotos Report.