17 julho 2010

VINHOS, ELITISMO E COTNARI

Citar vinhos, falar por falar de tipos, safras e variedades faz um bom elitista, ouvi dizer. Na verdade, assim como aconteceu com a cor azul — que se viu completamente expropriada de seus significados para traduzir no sistema de códigos apenas uma ideologia de direita ou, na melhor das hipóteses, um situacionismo, o que por sinal me ofende —, gostar de conhecer vinhos arregimenta ascos de intensidade variada entre os não-adeptos. Talvez essa seja a enésima vitória daqueles que combatem a divisão de classes mas que para isso fazem questão de ver o mundo sempre dividido em classes, forçando a barra até enquadrar tudo num materialismo doentio (mesmo que eu seja da opinião de que luta de classe existe e é muito provavelmente a mãe de todos os problemas do mundo; o erro, a meu ver, está em resumir tudo a isso). Ver num apreciador normal de vinhos necessariamente um elitista ferrenho é como ver gigantes em moinhos de vento. De fato existe esse fenômeno do que chamei de expropriação do significado, mas isso acontece externamente à coisa em si, não por causa dela: não é o vinho — ou charutos, ou antiguidades, ou qualquer outra coisa “fina” — que faz um esnobe, mas sim o uso hermético que esse faz na esperança de lhe conferir distinção e poder simbólico. Coisas que Freud explica. Ou deveria.

A PROPÓSITO...
Conheci aqui na Itália um vinho que atiçou minha curiosidade por alguns anos. O Brasil, além de ser no todo um parco consumidor (com uma vergonhosa média de 7 a 15 litros por habitante ao ano), se satisfaz com o pouco de vinho de boa e média qualidade que produz. O resultado é que não é fácil encontrar variedades e marcas menos famosas no mercado “para gente comum”, ou seja, para não-ricos — mesmo que estejamos falando de países tradicionais na cultura vinífera. Transbordando de romenos como qualquer outra cidade italiana, Milão me presenteou com uma comunidade bastante ativa desses europeus simples mas culturamente riquíssimos. Encontrei na metade do caminho entre minha casa e a residência de amigos uma loja de produtos gastronômicos da Romênia onde reluziam na prateleira as minhas tão desejadas garrafas de Cotnari. Esse vinho, que leva o nome da pequena cidade no norte do país onde é produzido, me chamou a atenção quando ainda estava no Brasil por dois particulares. O primeiro é ser o rótulo internacionalmente mais representativo dos vinhos da Romênia, país que me desperta interesse e que só não faz parte do primeiro escalão vinífero do mundo porque é um país pobre — a Hungria, por exemplo, apesar de produzir menos e de seus vinhos serem de menor qualidade, desfruta de uma certa fama no mercado europeu, principalmente junto aos alemães. O segundo motivo de minha atração pelo Cotnari era a promessa de um vinho doce, mas perfeitamente equilibrado. Equivale a dizer que, mesmo com uma quantidade colossal de açúcar (cerca de 240 gramas por litro), não resulta em um vinho pesado ou enjoativo. Evidentemente precisa ser colocado no seu contexto, que, para dizer o mínimo, não é acompanhar um prato de massa ao molho ou carnes. Prometia notas de mel, e essa era a minha busca. Por mais que eu imaginasse um vinho bom, me surpreendi positivamente: o Cotnari (principalmente a variedade Tamaioasa Romaneasca, mas também a Grasa) é uma verdadeira delícia. Na minha (ainda longínqua) situação ideal, acompanha uma torta como sobremesa, todos os dias. Ou mesmo puro, depois do jantar.

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